10.26.2007

CAD'07 - Casa Decor

Encerrou no passado dia 21 de Outubro o CAD’07 – Casa Decor, evento que vai já na sua 14.ª Edição, que este ano, mantendo o conceito habitual, “dar vida temporária a um espaço desabitado”, residiu num antigo edifício pombalino na Rua Garrett, no Chiado em Lisboa.

O evento reuniu vários profissionais e artistas da área do imobiliário e das artes decorativas, isto é arquitectos, designers e decoradores, que apresentaram o seu trabalho criando espaços tão variados como salas, cozinhas, escritórios, quartos ou bares.

Não sendo dos eventos que considere mais atraente (todo este tipo de actividades de “andar a ver móveis” não é das coisas que mais me agrade, confesso!) fui contudo levado a crer, por uma boa companhia e um convite que me concedia uma entrada gratuita, que não se trataria de um mau programa.

Efectivamente, não foi decepcionante. O edifício é deveras lindíssimo e a exposição que no fundo se tratava do aproveitamento de cada uma das assoalhadas do mesmo estava muito bem conseguida. Os espaços são adquiridos por cada um dos criadores, que podem aproveitá-lo da forma que mais lhes aprouver. Pagos a peso de ouro – confessaram-me – exigem na maioria dos casos bons patrocinadores, que posteriormente vêem a sua marca associada ao trabalho de cada um dos artistas, sendo que nesse âmbito existiam obras bastante notáveis.

Contudo, foi o produto dos pequenos artistas que mais me surpreendeu. Espaços que a maioria dos criadores não procurou, tais como corredores, escadarias e halls deram lugar a algumas das áreas mais admiráveis da exposição, quer pela sua dificuldade decorativa – exigência da exiguidade – quer pela criatividade de alguns dos seus “donos”.

De todos os espaços, o que mais me surpreendeu foi um simples corredor a que o seu autor, um tal Henrique Ferreira, denominou El Dorado. Duas paredes correndo lado a lado, sendo que no esquerdo existe uma reentrância e duas portas e no direito outras duas portas. Algo que nenhum de nós faria num corredor lá em casa, é certo, no entanto o jovem criador produziu arte!

Tudo está pensado! O título da obra não poderia ser mais adequado. A velha lenda da cidade construída em ouro narrada pelos índios aos exploradores espanhóis na época da colonização. Com efeito, ao percorrer-se o corredor parece que nos encontramos à busca dessa mesma cidade áurea. O artista cobriu todo o espaço de dourado, sendo que a monotonia da cor é cortada por uma barra preta contínua, que evolui na diagonal, desde a entrada até à saída do espaço, parecendo com isso querer representar os negros e tortuosos caminhos que têm de ser percorridos a fim de se alcançar o mencionado sonho.

No entanto o autor parece querer dizer-nos que o El Dorado, enquanto ideal, evoluiu. Que não se resume a uma mera busca materialista de uma lendária cidade perdida. A busca do El Dorado é hoje um desafio de vida em harmonia com a natureza. A conjugação dos elementos naturais com toda a simbologia do luxo é admirável. Na pequena reentrância do lado esquerdo ouve-se o relaxante som da água – aquela que será hoje, muito provavelmente, a maior riqueza da humanidade – que corre numa miúda fonte desaguando num pequeno lago numa tulhazita negra com pedras, também elas douradas no seu interior.

Num golpe de sorte, como se tivesse atingido o El Dorado, consegui chegar à fala com o autor da obra. Henrique Ferreira é um jovem dinâmico, criativo, bem-disposto e bastante acessível. Confidenciou-me que aquele espaço não havia sido solicitado por ninguém, o que lhe permitiu participar no certame através de um convite. “O dinheiro não chega”, afirmou, enquanto declarava ter conseguido todas as tintas, bem como as peças expostas a um custo muito baixo e em lojas acessíveis a todo o público! “Aquilo que eu fiz, em termos de materiais, qualquer pessoa poderá fazer”.

O artista descreve a sua obra como sendo “uma ambiência moderna que remete para o luxuoso no que toca ao cromatismo”. A partir desse principio, adaptou o seu projecto de modo a poder utilizar elementos que já possuía mas que não destoassem da globalidade como meta, “o meu espaço consegue aliar um elemento natural, a água, a um cromatismo luxuriante e a uma solução renovadora, no que concerne em dar uma nova função à base da máquina de costura, criando uma solução para um espaço que à partida não dava para muito mais”.

O projecto não se enquadra em nenhum movimento arquitectónico ou de design “serviu sobretudo para as pessoas poderem retirar uma ideia para a base [da máquina de costura], visto muitas pessoas que por aqui passam dizerem ter uma na arrecadação há anos sem saber o que lhes fazer”, assumindo o autor claramente uma corrente utilitarista, de reutilização de materiais “digamos que há uma vertente micro e macro na obra, sendo a macro o ideal de harmonia com a natureza e a micro o ideal de reutilização numa óptica de reciclagem, tão em voga nos dias de hoje”.

Henrique Ferreira remata, dizendo que “o El Dorado é na realidade, não uma cidade lendária perdida, mas algo ao alcance de todos, o convívio com a natureza, a sua preservação e respeito”. Confidenciou ainda que era suposto existir um peixinho dourado a nadar dentro do lago, como se de um aquário se tratasse, no entanto à data do ensaio geral para a exposição o referido peixinho acabou por morrer, aparentemente vitima dos químicos contidos na tinta negra que coloria o aquário “retira certamente alguma carga simbólica à obra, e é precisamente esta mensagem que eu pretendo passar, o que não deixa de ser irónico”, atirou laconicamente o artista.
Saí da exposição satisfeito. Já disse que não é o meu estilo de coisa, mas que me deixou a pensar no assunto… isso deixou!

ACR

1 Comments:

Blogger deVezemquando... produções said...

Este gajo anda a dar no Agel de certeza absoluta!

1:23 AM  

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