3.26.2007

E por citações (e grandes portugueses)

(...)
- Um acidente, Senhor Almirante. As vossas tropas encontraram na noite lisboeta o mais radical vírus que existe à face da terra, o mais implacável e mais invencível. O produto mais acabado do génio português, a verdadeira quinta-essência, o ADN de Viriato que persistiu na longa duração histórica: o chulo.
(...)
- É um produto genético muito especial, Senhor Almirante. Praticamente existe em todo o mundo, mas em Portugal depurou-se. Tem sido objecto de teses cientificas esta depuração. Uns pensam que é do clima, outros admitem que entrou em fase de aperfeiçoamento autónomo graças aos investimentos do Fundo Social Europeu.
(...)
- Uma espécie rara, Senhor Almirante. Vive da treta. Odeia o trabalho e vive da treta. Uma língua alcoolizada, uma imaginação prodigiosa, uma capacidade excepcional para a preguiça e, apesar de profundamente ignorante, fala todas as línguas que o engenho exija e disserta sobre qualquer assunto com mais convicção do que um académico letrado.
- Está a falar dos portugueses.
- Não. Estou a falar dos portugueses refinados. O verdadeiro chulo adora mulheres, sobretudo para lhe passar a roupa e apertar os cordões dos sapatos, anseia por uma boa briga, pela-se pela intrigalhada, embebeda-se diariamente, nunca trabalha, aliás odeia quem trabalha, e é o rei da inveja. A inveja é um pecado português, sabia? É o nosso destino. O mais ordinário, o mais rasteiro dos pecados haveria logo de ser português. O chulo é o seu mais fiel intérprete. (...)
- Se é essa a ideia que tem do seu país, o que acha que devemos fazer?
- Fechá-lo.
- Perdão?
- Fechá-lo como se fecha qualquer baú rico em memórias, mas sem proveito para construir o presente. Fechá-lo e guardá-lo como um relicário. Não temos pedaços da cruz de Cristo, mas ainda restam alguns pedaços das naus das Índias e as chuteiras do Eusébio. Afinal, as únicas coisas que nos restam dos sonhos.



in MOITA FLORES, Francisco; não há lugar para divorciadas; 2003




LM

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