9.23.2006

O blog que se quer

O Carrapato, a Carraça, o Compromisso e .... todos os outros


Pelo menos uma vez por ano, aparece nas nossas casas, por força do poder da televisão, um grupo de "empresários, gestores e industriais de topo em Portugal". Chamam-se a si próprios "Compromisso Portugal".

Reunem-se num local de luxo (este ano, de forma perspicaz, escolheram o Convento do Beato) e puseram o ex-director de campanha de Cavaco Silva, Alexandre Relvas, a abrir as hostilidades.

Confesso que deixei de por lá ver alguns dos tais experts "de topo". Foram os que clamaram, em altos berros e durante anos, a necessidade de "o governo criar centros de decisão de empresários Portugueses, apoiar os centros de poder Portugueses, reforçar o apoio a empresas Portuguesas, ao investimento Português, ...". Como entretanto e depois de receberem esses apoios, venderam as suas empresas ou as suas participações aos Espanhóis, concerteza estão agora no Sul de Espanha a gozar os rendimentos e não têm tempo para tais miudezas ....

De todos, o mais participativo, é o Dr. Carrapato. O Dr. Carrapato é presidente de uma das maiores empresas Portuguesas, filial do maior grupo de telecomunicações do mundo e está sempre disponível a, ano após ano, dizer-nos a receita simples para resolver os problemas do país. E repete-o, ano após ano, pois teimosamente ninguém lhe faz o que ele, sabia e graciosamente, nos teima em recordar.

E o que nos diz este ano o Carrapato? Bem, este ano diz-nos que o IRC Português, que é de 25%, devia passar a ser de 10 a 12,5%. Diz-nos que a Segurança Social se resolvia com um sistema misto, com descontos para o sistema público e o restante em fundos privados. Diz-nos que o estado não sabe gerir as suas receitas, que devem ser dispensados ( despedidos) entre 150 a 200.000 funcionários públicos e que é preciso melhorar a eficiência fiscal.

Comecemos então pelo IRC. Quando comecei a trabalhar, no já longíquo ano de 1996, o IRC era de 36%. Dizia-se, "os tais experts de topo", que a única forma de atrair investimento estrangeiro, aumentar o investimento, subir o emprego, era baixar a taxa de IRC, pois não era competitiva na Europa e as empresas fugiam daqui. Uns defendiam que devia baixar para 32, outros para 30, outros ainda para 27%. Com o IRC alto, vieram para Portugal investimentos como, por exemplo, a AutoEuropa, ainda hoje responsável por mais de 1% do PIB e mais de 3% das exportações. O IRC foi baixando ... 34, 32, 30 e chegou a 25%. E quanto mais baixou, menos investimento atraímos, o desemprego aumentou, a deslocalização aumentou exponencialmente e os novos investimentos nas áreas de elevado valor acrescentado, como nas áreas tecnológicas, comunicações, investigação, farmacêutica, sector automóvel, raramente olharam para Portugal e por vezes optaram por outros países, mesmo com taxas de IRC mais altas (Norte da Europa) ou custos de produção mais altos, por exemplo, a nível de salários (veja-se a Opel que sairá da Azambuja para ..... Saragoça!).

O Dr. Carrapato sabe que nenhuma empresa decide o seu investimento só pelo IRC e nem sequer é o factor mais importante no processo de tomada de decisão do investimento . Sabe mas esquece-se de nos dizer. Será que se a Libéria, a Serra Leoa ou o Haiti tivessem taxa zero de IRC o Dr. Carrapato mudava a sua empresa para lá?
Claro que o que o Dr. Carrapato quer é que as empresas que já cá estão, como a sua, paguem metade dos impostos sobre os lucros que pagam actualmente. O Carrapato sabe que uma medida dessa implicava uma descida de, pelo menos, 1,5% no PIB mas, diz ele, isso não é grave. Ele sabe que hoje em dia, numa economia aberta e globalizada, deslocalizam-se fábricas, estruturas directivas, equipamentos e tudo o mais que fôr necessário em poucas semanas. E sabe que ainda mais fácil é deslocalizar tributações, em sede de que imposto fôr. Sabe mas esquece-se de nos dizer. Claro que não é grave a descida de 1,5% no PIB quando o país cresce abaixo desse valor, afinal Portugal cumpre todos os critérios impostos pela Comissão Europeia, o país tem superavit nas suas contas e tudo ...

O Carrapato fala duma distribuição mista dos descontos para a Segurança Social. Esquece-se que temos mais de 1 milhão de reformados que não descontaram sequer para qualquer regime. Não porque não quisessem, mas simplesmente porque não exitiu, durante décadas, nenhum regime para tal. E sabe que a transferência de parte dos descontos actuais para o regime geral liquidariam por completo e em pouco tempo, a sustentabilidade das actuais reformas (já nem falo das futuras). Sabe também que os regimes privados se baseiam no mercado para se sustentarem e remunerarem no futuro os seus aforradores. E em caso de falência (o que acontece com algumas dezenas de fundos de pensões por ano em todo o mundo), a quem é que se vai recorrer? Ao Dr. Carrapatoso? Ou ao estado? Parece aqueles Portugueses que foram prejudicados pelo caso dos selos em Espanha e vieram reclamar que o Estado Português (!) lhes restituisse os valores perdidos...

O Carrapato também acha que se deve despedir 150 a 200.000 funcionários públicos. Agradece-se desde já o rigor nas contas, afinal mais 50.000 ou menos 50.000 deve ser a mesma coisa. Para o Dr. Carrapato, claro. Mas dizer onde se vai reduzir... nada! será na Saúde, na Educação, na Justiça, na Segurança? Nada, nem uma ideia, nem uma proposta. Ele sabe que em Portugal a % de funcionários públicos na população activa é de 17,9%. Na Irlanda (esse caso de sucesso sempre falado!!) é de 20,6%. na Holanda (esse país de desperdícios) é 25,9%, na Bélgica 28,8% e na Suécia e Dinamarca, esses países onde o nível de vida é tão mau, é superior a 30%! Só em Espanha (17,2) e Luxemburgo (16%) é inferior a Portugal. Falar sobre como melhorar serviços, as aptidões profissionais dos funcionários, métodos de gestão e controlo, política de mérito, sistema de carreiras... nada. A solução é despedir 200.000 pessoas. Tal qual como mandar a água do banho fora juntamente com o bébé ... O que o Dr. Carrapatoso quer não é emagrecer as despesas do Estado ou aumentar as receitas (já vamos ver porquê...). O que ele quer é tornar simplesmente decrépito, ineficiente e dispensável os serviços públicos. Claro que depois logo surgirá um dos "comprometidos de Portugal" a propôr a venda ao Estado desses mesmos serviços, qual parceria público privada, porque afinal o Estado necessita deles! E logo se concluiria que afinal ainda sairia mais caro.... Propostas para melhorar, nenhumas, propostas para que depois um dos nossos fique com a parte do bolo que interessa, basta ir ao Convento dos Beatos ... Ele sabe que, com 500.000 desempregados e assumindo um valor de 500 euros e uma média de 24 meses de subsídio de desemprego dessa pessoas, o Estado (claro, quem mais poderia ser) gastaria, em 2 anos, qualquer coisa como 2.400.000.000 de euros em subsídios de desemprego e daqui a 2 anos haveria muito mais que 500.000 desempregados, pois o país certamente não absorveria tal número de desempregados. sabe mas esquece-se de nos dizer ...

O Carrapato diz que o Estado gasta muito e mal. Pois parabéns, foi concerteza o primeiro a ver isso. E diz que recebe pouco. Renovo-lhe os meus parabéns.

O Dr. Carrapatoso esquece-se de nos dizer que no ano 2000, em pleno período especulativo das dot.com e da tecnologia umts, todos os países europeus procederam à venda/leilão dessas mesmas licenças de telemóveis. Países com populações bastante superiores à nossa arrecadaram verdadeiras fortunas e amealharam verbas importantes que, nalguns casos, consiganaram ao sistema de protecção social (reformas) que, dado o envelhecimento e a taxa de natalidade, cria problemas de sustentabilidade que todos sabemos. Por exemplo, a Alemanha arrecadou 10.000.000.000 de contos, o Reino Unido 7.700.000.000 de contos! Claro que a população servida era maior que a nossa, embora a taxa de cobertura de telemóveis e gasto médio/assinante seja semelhante em todos os países referidos. Bem, seria lógico que, adaptando a proporcionalidade populacional, Portugal arrecadasse uma verba entre os 600.000.000 e os 1.000.000.000 de contos! A verdade é que em Portugal, sob batuta do Dr. Jorge Coelho e com o argumento que o leilão poderia atingir verbas enormes e pôr em causa a viabilidade da utilização dessa tecnologia pelo forte investimento a fazer pelas empresas (!!!!!!!!!!!!!!!!!!) cada licença foi vendida por .... 20.000.000 de contos !! Mais uma vez, o "comprometido" e "esquecido" Carrapato esqueceu-se de criticar a oportunidade perdida de largas centenas de milhões de contos para o erário público.

Conclusão:

1 - As empresas que ganharam as licenças e que não podiam pagar muito sob pena de inviabilizarem os seus negócios foram a TMN (maior operador nacional e que nos anos seguintes investiu somas astronómicas no .... Brasil!), a Vodafone (do Dr. Carrapatoso, claro) que é só a maior do mundo e pagou verbas brutais por iguais licenças noutros países não se conhece que tenha falido, e até a Optimus, que era a mais pequenina, embora seja do homem mais rico do país, lançou, alguns anos depois, uma OPA sobre .... a TMN!

2 - Dá vontade de rir quando a PJ vai a casa de um político que fez isto e faz um alarido porque tem lá um tabuleiro de xadrez em marfim ou cristal ou lá o que é, que lhe foi oferecido por um construtor...

Por último, a receita fiscal. Mais um esquecimento do Carrapato. Em 2004, a Administração fiscal notificou o Carrapato que teria de pagar cerca de 800.000 euros de impostos em falta, devido a stock options suas. O prazo de liquidação terminaria em 31 de Dezembro de 2004. Por coincidência, certamente, a Administração fiscal deixou caducar o prazo de liquidação ao contribuinte .... Depois de sair a notícia nos jornais, apressou-se a pagar em quantia, através de uma liquidação adicional de imposto, em Julho de 2005, no valor de 783.024,83 euros ... É este exemplo de rigor que nos vem dar lições de moral sobre as contas do país!!

Falta só dizer que o Carrapato defende que tais stock options, que são obviamente rendimentos do trabalho, apoiado por alguns experts fiscalistas (também lá devem andar pelo Beato ...) sejam tributadas como mais valias e não englobadas pela sua totalidade no rendimento. Espertices saloias, claro está.

São estas as carraças que, ano após ano, não vêm sugar a inteligência e o sonho de um país mais justo e honesto...

KN

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